Na maior colaboração jornalística da história, foi divulgado neste domingo (3), o Pandora Papers, projeto do Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos (ICIJ), que reuniu mais de 600 profissionais em 117 países e territórios e teve acesso a cerca de 11,9 milhões de documentos sobre offshores em paraísos fiscais. O vazamento envolve mais de 27.000 companhias, abertas entre 1971 e 2018, e quase 30.000 de seus beneficiários, em uma extensa lista que contém artistas, empresários e políticos de alto escalão, incluindo o Ministro da Economia Paulo Guedes e o presidente do Banco Central do Brasil, Roberto Campos Neto.
Apesar dos dois afirmarem ter declarado as empresas à Receita Federal, as reportagens mostram que ambos as mantiveram após o ingresso no governo, ferindo o artigo 5° do Código de Conduta da Alta Administração Federal, que veda aplicações financeiras, no Brasil ou exterior, por autoridade pública que possa ter informações privilegiadas e, em razão disso, obtenha lucros. Já Ministro, Guedes pode ter lucrado R$ 14 milhões com a disparada no preço do dólar, como informa coluna no jornal Metrópoles. A oposição na Câmara dos Deputados anunciou que entrará com uma ação de improbidade contra Guedes e Campos Neto, no Ministério Público Federal.
A posição privilegiada de Guedes e Campos Neto na condução das finanças nacionais é inegável: além de dirigem, respectivamente, o Ministério da Economia e o Banco Central, os dois comandam o Conselho Monetário Nacional, órgão superior do Sistema Financeiro Nacional, que no Brasil tem apenas 3 membros: o presidente do Banco Central, o Ministro da Economia e um subordinado deste.
As informações do Pandora Papers colocam em dúvida se há motivação pessoal em diversos projetos empurrados pela agenda de Guedes. Matéria da revista Piauí destaca, por exemplo, o conflito de interesses presente na proposta de reforma tributária apresentada pelo governo ao Congresso Nacional, que teve a derrubada de item que previa a taxação de ganhos de capital no exterior (incluindo investimentos em paraísos fiscais), e uma drástica redução na taxação sobre a repatriação de recursos.
Outro projeto que tem relação direta com o fato levantado na reportagem é o PL 5.387/2019, que deixa livre e sem limite as operações realizadas em moeda estrangeira (Art. 1º), como alertado pela ACD, cabendo ressaltar que tal projeto já foi aprovado na Câmara dos Deputados e tramita no Senado, devendo ser repudiado por todos nós.
A vedação contida no artigo 5° do Código de Conduta da Alta Administração Federal visa exatamente evitar que projetos nocivos aos interesses nacionais acabem sendo justificados e defendidos por autoridades que serão, direta ou indiretamente, beneficiadas com tais projetos, enquanto toda a sociedade é lesada.
Podemos listar diversos projetos relevantes nessa linha, além do PL 5.387/2019, antes citado, por exemplo: a “Independência” do Banco Central como um cheque em branco; o Art. 7º da PEC 10, (EC 106) que autorizou a compra de papel podre dos bancos sem limite; a PEC 186 (EC 109) que dá prioridade total à chamada dívida pública nunca auditada; o PL 3.877/2020 que “legaliza” o overnight e permite remunerar a sobra de caixa dos bancos sem limite ou parâmetro algum; as Privatizações insanas, e até a PEC 32, que destrói a estrutura do Estado para permitir o uso de toda a estrutura pública por empresas privadas.
Outro elo do grave conteúdo da reportagem da revista Piauí pode ser feito com o relaxamento da Lei de Improbidade Administrativa (PL 10.887/18 na Câmara e PL 2505/21 no Senado), que torna todas essas lesões ao Estado e à sociedade praticamente impunes.