Não é verdade que a propagação da Covid-19 é democrática. Sabemos que se propaga em ritmo maior entre os que não têm condições de ficar em casa, os que não têm casa, ou onde as casas tem menos condições para enfrentar a disseminação do vírus – moram seis, oito pessoas em apenas um cômodo, em locais sem saneamento, com falta de água. Dá para pedir que essas pessoas se protejam com álcool em gel, lavem as mãos várias vezes ao dia e mantenham a higiene no ambiente se o estado não lhes garante nem alimentação?
As primeiras mortes começam a ocorrer em favelas, assim como o aumento de pessoas com sintomas. Esse é um fator de grande preocupação, pois o coronavírus poderá ser explosivo nas favelas, periferias e ocupações.
A falta de moradia digna faz com que o isolamento social seja praticamente impossível: casas encostadas nas outras, pouca ventilação e umidade, muita gente – em diferentes condições de vulnerabilidade, como idosos, crianças e adultos – morando junto em pequenos cômodos. As vielas também dificultam, por exemplo, o atendimento e socorro a doentes. A falta de dinheiro impede a compra de produtos de higiene e limpeza básicos.
O Instituto Trata Brasil, uma a Organização da Sociedade Civil de Interesse Público, apresentou em audiência no Senado no ano passado que 48% da população não tem saneamento básico e 35 milhões de brasileiros ainda não têm água tratada, o que seria a população inteira do Canadá.
Além disso, a falta recorrente de água – elemento básico para combater o coronavírus, priva a população de baixa renda de lavar as mãos e higienizar a casa, roupas e alimentos. Essa realidade é comum em boa parte dos bairros de periferia, onde milhões vivem muitas vezes em meio a córregos de esgoto a céu aberto que potencializam a proliferação.
“Para esses, já havia menos estruturas de saúde, com atendimento precário, falta de leitos, profissionais e equipamentos. No momento atual, significará uma sentença de morte aos mais pobres”, denuncia a dirigente do movimento Luta Popular Irene Maestro, da Secretaria Executiva Nacional da CSP-Conlutas.
Assista aqui a entrevista que Irene Maestro deu à TV espanhola El Mirador:
Depois de muita enrolação, o governo Bolsonaro aprovou o auxílio emergencial de R$ 600, que começou a ser liberado pela Caixa Econômica Federal aos trabalhadores informais, desempregados, micro-empreendedores (MEI) e opcional a quem recebe Bolsa Família. Mas há empecilhos aos que tem CPF irregular, muitos não conseguem se cadastrar e os mais pauperizados sequer têm celular para baixar o aplicativo.
As atitudes de Bolsonaro diante a epidemia da Covid-19 são criminosas. Seus pronunciamentos contra a quarentena tiveram impacto nas periferias, que se ainda não tinham sofrido profundas mudanças na dinâmica social, e afrouxam as já poucas medidas de isolamento, pela necessidade de sobrevivência respaldada pelo presidente.
A auto-organização dos mais pobres
O absoluto desamparo do Estado à classe mais pauperizada tem levado favelas, periferias e ocupações a se auto-organizarem para garantir sua própria proteção.
Preocupados com a disseminação da doença e a falta de atendimento que terá esse setor como o mais atingido, esse segmento da população também sofre com a intensificação do genocídio contra a população preta e pobre, quanto pela autorização de algumas cidades (como São Paulo) de realizar enterros sem certidão de óbito, permitindo assim o enterro “em massa” sem controle, com “desovas” de corpos de mortes oriundas não do coronavírus, mas da polícia militar que sabemos que é racista e genocida.
Diante de tal drama em muitas favelas, periferias e ocupações decidiram arregaçar as mangas por conta própria para enfrentar a situação de extrema dificuldade diante do coronavírus.
Em importantes capitais, como São Paulo, Rio de Janeiro, Salvador, e outras, movimentos locais buscam conscientizar moradoras e moradores das mais diversas formas: informações por meio de áudios e carros de som, coleta e distribuição doações de alimentos, produtos de higiene e limpeza, equipamentos de proteção, organização de espaços de atendimento e outras iniciativas.
“Essas mobilizações partem do pressuposto de que não dá pra esperar os governos, que sempre viraram as costas pras favelas, vão fazer algo agora; moradores de favelas, periferias e ocupações sempre precisaram criar mecanismos pra sobreviver por conta, sem investimentos, políticas públicas”, ressalta Irene.
A Associação de Moradores de Paraisópolis, em São Paulo, contratou ambulâncias e médicos e criou um esquema comunitário de socorro e atendimento. “Nos próximos dias vai alugar quatro mansões no Morumbi para acolher idosos e moradores da comunidade que, mesmo com indicação, não tem como ficar em isolamento em suas casas”, divulgou a Folha de S. Paulo.
A iniciativa, batizada Comitê dos Bairros, integra um plano de ação contra a Covid-19, que inclui a locação de duas vans para transporte de mantimentos e a compra de uma ambulância —que depois será doada para a rede pública.
O movimento elegerá voluntários chamados Presidente de Rua, que ficarão responsáveis pela comunicação entre grupos de domicílios com moradores isolados e as lideranças comunitárias. A ação é feita em conjunto com o G10 Favelas, grupo que reúne representantes das principais comunidades brasileiras.
“Estamos nos organizando para nos salvar, já que até agora o governo não falou a palavra favela em seus discursos”, disse um dos líderes do movimento, Gilson Rodrigues à Monica Bergamo, da Folha de S.Paulo.
No Rio de Janeiro não é diferente. As favelas vem se auto-organizando devido à ausência do Estado. “Lembrando que a Maré é um conjunto de 16 favelas. Nós somos aproximadamente cerca de 140 mil moradores. E parte destes moradores não sabem ler e não tem acesso à Internet. Então a gente pensou em ferramentas de comunicação para levar informações sobre a pandemia, sobre cuidados, hospitais de referência”, publicou a comunicadora da Maré Gizele Martins.
A principal mensagem que é das pessoas ficarem em casa. Para transmitiras mensagens alugaram um carro de som, passando um áudio e levando informações para os moradores da Maré, das 16 favelas.
“Fizemos cartazes com informações, todas elas orientadas por profissionais de saúde da Maré. Fizemos também faixas. Mais de 30 já foram distribuídas. E nessa semana, mais outras 30 faixas serão colocadas nas ruas da Maré”, acrescenta Gizele.
Foto: Gizele Martins
É nesse contexto, que o Luta Popular, movimento filiado à CSP-Conlutas, também tem organizado uma série de iniciativas. Cartilhas com informações e orientações de como enfrentar o coronavírus, carros de som com áudios, arrecadação de dinheiro para doação de alimentos e produtos de higiene pessoal e limpeza e promovendo a auto-organização das moradoras e moradores. Além de ocupações em São Paulo, como a Esperança, Queixadas, Jardim União e outras, alguns estados também vem promovendo essas iniciativas como materiais do Luta Popular.
Os materiais podem ser acessados por todas e todos, caso queiram utilizar como referência, replicar, etc. para impulsionar ações de solidariedade em comunidades de outros estados:
• Cartilha popular para enfrentamento ao coronavírus nas ocupações, periferias e comunidades. A cartilha pode ser distribuída virtualmente ou fisicamente, mas neste momento o ideal é que não seja distribuído papel por ser uma forma de transmissão do vírus.
Organização de brigadas de solidariedade (responsáveis por bairro, por rua, por quadra, por monitorar os casos de pessoas com sintomas, estabelecer diálogo com o sistema de saúde do entorno, mapear famílias em maior vulnerabilidade para priorizar as doações ou oferecer outras formas de apoio, organizar formas de atendimento rápido em caso de socorro, impedir o corte de água e luz, etc.).
• Campanha política, com elaboração de vídeo sobre coronavírus na periferia e de virais para circular com facilidade no Whatsapp e internet no geral.
• Carro de som nos bairros com explicações/informação, orientações individuais e propostas de auto-organização coletiva nos bairros:
• Campanha de arrecadação de doações de alimentos e materiais de higiene e limpeza, ou doações em dinheiro para serem revertidas em compras desses itens:
Todas e todos que formam as equipes de distribuição e organização são orientados: higienizar os alimentos e deixar em repouso por 6h antes de distribuir. Ser distribuído por poucas pessoas, com luva e máscara, preferencialmente na porta da casa das pessoas para evitar aglomerações. Orientar quem receber a higienizar tudo novamente.
Nesse processo, a “ponte” com os rurais para aquisição de alimentos da agricultura familiar, garantindo que eles possam escoar sua produção nesse momento de dificuldades e também que possamos na cidade acessar alimentos baratos e de qualidade, num momento que nossa saúde deve ser fortalecida e a segurança alimentar garantida. Isso pode ser estimulado em outros Estados:
A ideia é que todas essas ações possam ser replicadas, que sirvam de referência, para que sejam organizadas, intensificadas e potencializadas ações de solidariedade com esses setores a partir da CSP Conlutas.
“Nossa perspectiva tem sido a do fomento à solidariedade de classe com os setores historicamente mais massacrados da nossa classe e do fomento à perspectiva da auto-organização das trabalhadoras, trabalhadores e povo pobre como saída para a crise!”, reforça Irene.
• Quarentena geral já pela nossa vida! Que só funcione o que for essencial!
• Bolsonaro, para de pagar a dívida pública pros banqueiros e manda o dinheiro pra saúde pública!
• 600 reais é pouco! Paga pra todo mundo que precisa e paga mais!
• Bolsonaro e sua turma caiam fora! Fica o SUS e o povo no poder!
Via: CSP-Conlutas.