Enquanto muitos países iniciam o processo de vacinação em massa contra a Covid-19, as regiões mais pobres continuam sem previsão ou garantias para o início da imunização.
Segundo dados coletados pelo grupo de pesquisa Our World Data, da Universidade de Oxford, mais de 12 milhões de doses de vacinas contra a Covid-19 foram administradas até o início de 2021 em cerca de 30 países em todo o mundo.
Para países do continente africano, com exceção de Guiné, que iniciou a vacinação da Sputnik V para grupos vulneráveis, nada foi realizado.
Na África do Sul, um dos países de melhor desenvolvimento da região, as vacinas que serão fornecidas – principalmente pela AstraZeneca e Johnson & Johnson – têm previsão de chegada apenas para o período de abril a junho de 2021.
No total, estima-se que cheguem à região 270 milhões de doses, por meio do programa Covax, iniciativa global da OMS (Organização Mundial da Saúde). Este é o cenário ideal pintado pela organização, mas pode não se concretizar.
Para o primeiro semestre, a previsão é de que o país receba apenas 50 milhões de doses, o equivalente a 10% da população. No entanto, de acordo com relatório publicado pela agência de notícias Reuters, milhões de pessoas da África do Sul e de outros países mais pobres podem ficar sem acesso às vacinas até o ano de 2024.
Quando quebrar patentes não basta – Enquanto a África busca apoio para a imunização, os países mais ricos possuem quase todo o estoque e encomendas de vacinas.
Segundo coleta de dados do Centro de Inovação para a Saúde da Universidade de Duke (EUA), os países mais ricos já detêm o equivalente a toda população mundial.
Apesar de o continente africano ter, por exemplo, mais que o dobro da população que os países da UE, os europeus são os que mais têm estoque garantido – confira o gráfico abaixo.
Para piorar o nível de desigualdade, a OMC (Organização Mundial do Comércio) ainda encontra como principal barreira de promover acesso igualitário às doses a lei da propriedade intelectual.
Longe do ideal de produção local, a quebra de patentes não seria o suficiente para países muito pobres. Seria, em verdade, uma reivindicação vazia.
Isso porque as regiões mais pobres e isoladas encontram dificuldades muito básicas como más condições para o recebimento e armazenamento das vacinas.
Muitos locais não possuem nem mesmo estradas de acesso para transportar vacinas que são muito sensíveis às temperaturas de locais sem eletricidade e refrigeração confiáveis.
Maior parte delas exige refrigeração de até -75 graus celsius. Condição preocupante para maioria dos países pobres.
Dentro deste contexto, somente acabar com a propriedade intelectual das vacinas não resolve o dilema de crise social e sanitária. Seria uma reivindicação possível caso obtivessem, historicamente, o acesso ao conhecimento, aos dados, ao material e à tecnologia utilizada para produzir e armazenar localmente as vacinas.
Portanto, com patentes ou não, não há capacidade suficiente na África para produzir vacinas contra a Covid-19 e não haverá tão cedo. A mesma previsão vale para a distribuição via iniciativas como a Covax, considerando o sistema capitalista voraz no processo de compras e encomendas de doses pelos países mais ricos.
Avanço global da administração de vacinas contra a Covid-19 na população
Vacinar é também uma escolha política – A Universidade Northeastern divulgou um estudo em que relaciona o acesso à vacina à mortalidade decorrente da Covid-19. Segundo a pesquisa, quanto menos acumulada, mais vidas são salvas, inclusive nos países mais ricos.
Desenhando dois cenários, há possibilidades bem diferentes no enfrentamento à pandemia. Na primeira situação, 50 países ricos compram as primeiras 2 bilhões de doses, e no segunda a vacina é distribuída de acordo com o número de habitantes e não por seu poder aquisitivo.
No primeiro exemplo, as mortes seriam reduzidas em 33% em todo o mundo. No segundo, esse percentual subiria para 61%.
Apesar de tais estudos, o que os países têm decidido vai no sentido contrário de uma estratégia mais coletiva.
Um exemplo de governo que deliberadamente tomou decisões políticas desiguais é Israel, o país que está mais avançado no processo de vacinação em massa na Palestina ocupada.
Apesar de ter números adicionais de doses que seriam mais do que suficientes para os dois milhões e meio de palestinos adultos que vivem na Cisjordânia e na Faixa de Gaza, Israel não pretende fornecer nenhuma das vacinas aos cidadãos não judeus.
Organizações e a própria ONU denunciam que os palestinos, considerados e tratados como cidadãos de segunda classe pelo estado israelense, correm sério risco de não participar do programa de imunização. Israel rejeitou até mesmo um pedido de vacina feito pela OMS para imunização de médicos palestinos.
Palestinos são excluídos de plano de vacinação por Israel | Foto: Anadolu Agency
A distribuição seria possível, pois as vacinas excedentes da AstraZeneca não necessitam de refrigeração especial, podendo ser transportadas com segurança para locais mais remotos e isolados como vilarejos beduínos e campos de refugiados.
Citando a IV Convenção de Genebra, grupos de direitos humanos, incluindo a Anistia Internacional, acusaram Israel de “discriminação institucionalizada” e de ignorar as suas obrigações internacionais de garantir imediatamente que as vacinas Covid-19 sejam distribuídas de forma igualitária aos palestinos que vivem sob ocupação.
Segundo o chefe da missão da OMS para palestinos sob ocupação, Gerald Rockenschaub, quase 8 mil médicos palestinos foram infectados pelo vírus.
Para Herbert Claros, dirigente da CSP-Conlutas e membro do Setorial Internacional da Central, “o sistema capitalista é incapaz de garantir a saúde e a vida dos seres humanos”.
“Estamos assistindo a cenas de barbárie por conta da pandemia, que agride com muita mais forças as populações mais pobres. Só o sistema socialista é capaz de garantir o pleno acesso à vacinação ao redor do mundo”, conclui o dirigente.
Via: CSP-Conlutas.