Não ter o suficiente para matar a fome. É o que encara todos os dias Laura Heloisa Pitangui, 26 anos, moradora da ocupação Professor Fábio Alves, em Belo Horizonte (MG). Como milhares de brasileiras e brasileiros nesta pandemia, a jovem vem enfrentando muitas dificuldades e viu a falta de renda e a fome assombrar sua família.
Laura sustenta sozinha os seis filhos com R$ 624 que recebe do Bolsa Família, tentando garantir o mínimo para sobreviver dia após dia. Conta que nunca ficou sem nada para comer, mas admitiu já ter tido refeições racionadas em que o prato esteve mais vazio do que o tamanho de sua fome e das crianças.
Sua lista de compra para alimentar sete pessoas e fazer a comida durar até o fim do mês é de três pacotes de arroz, seis de feijão, 12 de macarrão, sete maçãs, um tomate e um corante. Carne é raro entrar, quando dá, é apenas a de “segunda”.
“É essa lista que eu uso todo mês. É difícil mudar alguma coisa e raramente consigo comprar um biscoito ou iogurte para poder variar e eles [meus filhos] comerem algo diferente”, completou.
Quando as cinco meninas e o menino, com idades entre dois e nove anos, sentem vontade de comer coisas que crianças normalmente gostam, e que são consideradas supérfluas para quem não tem nem mesmo o básico, Heloisa tenta de sua maneira explicar. “Sento com eles e converso, falo que quando der eu compro. E assim, tanto eles quanto eu, ficamos esperando o dia em que eu arrumo um biquinho para conseguir comprar essas coisas”, argumenta.
De acordo com IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), em 12 meses desde o início da pandemia, o preço dos alimentos subiu 15% no país.
O dinheiro que costuma sobrar da compra, entre R$ 100 e R$ 50 reais, a depender do aumento do preço alimentos, ela tem de escolher o que fazer. Às vezes compra o gás que em média custa R$ 85 em sua região. Já teve ocasiões em que ficou alguns dias sem o item por faltar no orçamento, tendo como única alternativa improvisar um fogão à lenha.
Doações de cestas básicas, entre outros aportes, além dos bicos que consegue, às vezes, a tiram do aperto.
Por morar em uma ocupação, não tem custo de aluguel, nem com água e luz, que são garantidos por ligações clandestinas, mas que podem ser cortados a qualquer momento. O medo de ser despejada também assombra Laura, que tenta se equilibrar entre tantas vulnerabilidades.
Laura até gostaria de poder ter condições de pagar um aluguel, mas disse que atualmente isso é impossível. Em janeiro, o índice de reajuste de aluguéis no país foi reajustado em 2,58%, acumulando alta de 25,71%, entre fevereiro de 2020 a janeiro de 2021.
“Vivo de bicos, mas nem isso tem ultimamente”
Laura já enfrentava dificuldades antes da pandemia e está apreensiva com seu futuro, de seus filhos e de quem assim como ela vive no limite. “Essa pandemia tem deixado muita gente em situação difícil, e a maior enfrentada hoje em dia é a alimentação, porque esse auxílio do governo está menor. No começo a parcela era maior e ainda assim era complicado”, argumenta.
Os bicos de faxina ou panfletagem estão cada vez mais escassos nesta pandemia. Quando conseguia, Laura deixava seus filhos com a mãe, que não poderá mais dar essa força, devido a uma tuberculose ainda não curada, entre outras enfermidades.
“Eu tenho seis crianças para cuidar sozinha, mas agora com esse valor menor do auxílio emergencial, eu to meio desacreditada, nem sei se eu vou receber o benefício”, disse.
No ano passado, 69 milhões de brasileiros receberam o auxílio emergencial. Mas com novas regras mais restritivas, o auxílio terá o valor reduzido, será pago por menos tempo e para menos pessoas. Não serão aceitos novos beneficiários e somente famílias com renda per capita de até meio salário mínimo e renda mensal total de até três salários mínimos (R$ 3.135) poderão receber. No total, 22,6 milhões de pessoas ficarão de fora.
Situação semelhante vive Michele Gomes Pereira dos Santos, 38 anos, com três filhos, moradora da Ocupação Esperança, em Osasco (SP). Ela e seu marido tentam driblar a escassez da maneira que podem. “Além da dificuldade em garantir a alimentação, minha filha precisa fazer uma cirurgia, mas com a pandemia ainda não foi feita”, relatou.
No país em que não ter trabalho assombra mais de 14 milhões de pessoas e a informalidade é uma realidade para muitos, o marido de Michele está desempregado e faz bicos para conseguir renda. Sua família também conta com a ajuda de outras pessoas e o auxílio emergencial, quando tinha, também complementava a renda.
Assim como Laura, Michele não sabe se conseguirá receber a nova parcela do auxílio emergencial, que em sua opinião o “valor é uma vergonha e um descaso com os pobres e trabalhadores”.
A solução para saída dessa situação dramática em que o país se encontra, seria a vacinação de toda a população, mas ela reconhece que o com cenário atual será mais difícil. “Acho que nem no ano que vem eu tomo a vacina. Muito triste tudo isso”, lamenta.
Campanha de solidariedade
Essas histórias contadas por mulheres, mães e moradoras de ocupações são um retrato da dura realidade que milhares de outros brasileiros estão encarando diante da falta de políticas do governo Bolsonaro para o combate à pandemia do coronavírus. Mais de 27 milhões de pessoas estão vivendo na extrema pobreza, segundo projeção da Fundação Getúlio Vargas.
Por entender que é preciso agir de alguma maneira para minimizar os impactos da pandemia para os pobres, para além da denúncia contra o governo Bolsonaro que segue com sua política genocida, o Movimento Luta Popular decidiu retomar a Campanha de Combate à Fome.
“A gente começou o ano retomando essa campanha de solidariedade porque sabemos que a política do governo é relegar as pessoas à morte. Bolsonaro permite a disseminação da doença, não comprou as vacinas quando foi ofertado, estimula as pessoas a acharem que isso não é importante, com orientações contrárias ao que seria necessário fazer”, explica a integrante do Luta Popular Irene Maestro.
A ativista também aponta contextos econômicos e sociais ignorados pelo presidente. “A situação do coronavírus só se agravou, batendo recordes sucessivos de mortes todos os dias, falta de leitos nos hospitais e existe o colapso da saúde. Sabemos que a medida, agora, seria um lockdown de verdade, coisa que nunca foi feita. Só que é impossível fazer isso, se você não der auxílio emergencial para as pessoas, senão morrerão de fome em larga escala”, afirma.
Irene explica que o relançamento da campanha de solidariedade é importante porque o movimento entende que o governo não fará nada para proteger as vidas, não vai garantir vacinação, lockdown e auxílio emergencial de um salário mínimo para as pessoas poderem sobreviver. “A aprovação desse auxílio rebaixado, que varia de R$ 175 a R$ 350, é uma tiração na cara do povo”, frisa. “Tem dinheiro para fazer isso. A gente sabe que tem o dinheiro que eles desviam para pagar a dívida pública, o lucro dos bancos, que só aumentou na pandemia, e poderia ser revertido para milhares de famílias neste período de maior restrição”, completa.
Diante desse governo criminoso, o movimento conta com a colaboração de trabalhadores e trabalhadoras, que estão em uma condição melhor, e que podem ajudar outros que estão vivendo com mais precariedade e dificuldade.
“Essa solidariedade de classe que alimentou essa campanha no primeiro período é que a gente espera, mesmo com as dificuldades para aqueles que estavam em uma condição melhor, a gente quer fomentar essa campanha para garantir que chegue comida na periferia e nas ocupações, porque a situação é muito violenta e dramática”, alerta.
O Movimento Luta Popular disponibilizou uma conta bancária e está entrando em contato com sindicatos, entidades e organizações, assim como pessoas físicas que possam contribuir. As arrecadações feitas serão revertidas às ocupações e bairros em que o Luta Popular constrói experiências de organização, no estado de São Paulo, Minas Gerais, Pernambuco, Pará, Manaus, Sergipe e Goiás.
“Para alcançarmos todos esses territórios precisamos de impulso na divulgação dessa campanha para conseguirmos avançar nas arrecadações e tentar abastecer da forma que for possível o conjunto dessas comunidades”, finaliza.
A CSP-Conlutas é parceira dessa iniciativa e convoca todas as trabalhadoras e trabalhadores, entidades, movimentos e sindicatos a fortalecerem a campanha.
Via: CSP-Conlutas.