Após receber relatos de desnutrição e mortes de crianças, o Ministério da Saúde enviou uma equipe para investigar a situação dos Yanomami na segunda-feira da semana passada (16). Os profissionais se depararam com o que seria uma terra arrasada. A equipe diagnosticou, principalmente em idosos e crianças, desnutrição grave, inúmeros casos de malária, IRA (infecção respiratória aguda), diarreia, vermes e outros problemas. Total desassistência!
Esse quadro motivou um decreto de Emergência de Saúde Pública no território na região da Serra Parima – coração do território Yanomami. Na sexta-feira (20) foi instalada uma Sala de Situação para tratar da grave crise sanitária.
No sábado (21), o presidente Lula visitou o local acompanhado de ministros. Chamou de “descaso” e “abandono” do governo Bolsonaro para com os Yanomami e denunciou como “genocídio” o drama enfrentado por esse povo originário. O presidente arcou com o compromisso de acabar com o garimpo ilegal e garantir a saúde nos territórios indígenas.
Uma análise completa da situação pela qual estão submetidos os Yanomami tem o prazo de 15 dias para ser entregue ao Ministério da Saúde.
A gravidade da situação fez com que a Opas-OMS (Organização Pan-Americana de Saúde), enviasse o médico especialista em malária André Siqueira, do Instituto Nacional de Infectologia da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), para averiguar o caso. Em entrevista à BBC, o infectologista disse ter testemunhado “a pior situação de saúde e humanitária” que já havia visto, uma situação “catastrófica” e “desastrosa”, nominou.
O médico informou que o objetivo de sua ida ao local é fazer um diagnóstico urgente e criar um plano de ação em parceria com o Ministério da Saúde e as lideranças Yanomami.
“O que vimos foi uma situação muito precária em termos de saúde, com pacientes acometidos por desnutrição grave, infecções respiratórias, muitos casos de malária e doenças diarreicas. Junto a isso, uma escassez de equipes e de estrutura”, explicou.
O Ministério dos Povos Indígenas divulgou na sexta-feira (20) que 99 crianças haviam morrido por desnutrição, pneumonia e diarreia em 2022. Também haviam sido confirmados 11.530 casos de malária. E, é possível que pelo menos 570 crianças tenham morrido nos últimos quatro anos pela contaminação por mercúrio, desnutrição e fome.
Tragédia anunciada
O caso choca o mundo, mas a Hutukara Associação Yanomami, que representa 30 mil indígenas Yanomami e Yekuana, já havia enviado 21 pedidos formais de ajuda ao governo Bolsonaro.
A Carta Capital chama atenção de que uma reportagem do The Intercept Brasil, de agosto do ano passado, tomava como base ofícios encaminhados pela associação à Funai, Ministério Público e Exército; os documentos já alertavam que os conflitos com mineradores, principalmente, poderiam “atingir a proporção de genocídio”.
Foram ofícios atrás de ofícios quando houve acirramento dos ataques de garimpeiros ilegais contra os povos originários da região.
A liderança Yanomami Dário Kopenawa, filho do xamã Davi Kopenawa, descreve um cenário dramático sobre as comunidades do seu povo em entrevista ao Estadão.
“Somos abandonados. Já alertamos há muitos anos sobre essa crise humanitária e de saúde”, afirma ao lamentar ser visível o recente aumento nas mortes infantis por desnutrição e malária, agravadas pela falta de remédios.
Ao final de 2019, Bolsonaro chegou a ser denunciado no TPI (Tribunal Penal Internacional) pela Comissão Arns, por crimes contra a humanidade e incitação ao genocídio dos povos indígenas do Brasil. Mas nada aconteceu.
Ou seja, a tragédia era anunciada.
Garimpo ilegal: violência e morte
Nas denúncias do povo Yanomami, somente de 2018 a 2021 a área de garimpo na TI (Terra Indígena) saltou de 1.200 para 3.272 hectares.
A atividade do garimpo e presença de garimpeiros afeta as TIs de diversas formas: contaminação por mercúrio, transmissão de doenças e violência.
O território Yanomami é alvo de garimpo ilegal e enfrenta, principalmente nos últimos quatro anos, a contaminação deixada pelo resíduos de mercúrio, que serve de ímã para grudar os pedaços menores de ouro, tornando-os fáceis de serem separados. A atividade contamina as águas e degrada as condições de saúde de comunidades indígenas, ribeirinhas e os impactos se estendem para além da região afetada diretamente.
Além disso, há o problema da transmissão das doenças. Uma pesquisa da Universidade Federal de Minas Gerais em parceria com o Instituto Socioambiental (ISA), revisada pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) apontou que são os garimpeiros os maiores responsáveis pela transmissão de doenças a povos que vivem isolados geograficamente. Esse fato foi agravado, inclusive, com a transmissão da covid-19 aos povos indígenas.
Os tipos de violência cometidos por garimpeiros ilegais são muitos. Entre os mais graves ataques, a Hutukara Associação Yanomami denunciou que no final de 2022 que garimpeiros haviam queimado uma unidade de atendimento na região do Homoxi, área onde vivem 700 indígenas.
A ação seria uma retaliação à Operação Guardiões do Bioma, realizada pela PF (Polícia Federal) e Ibama no início do mesmo mês.
“O abandono dos povos indígenas a sua própria sorte e resistência é um projeto de Estado no Brasil, pois os povos originários do Brasil sempre tiveram de resistir e lutam para defender suas terras, cultura e a vida”, denuncia a integrante da Secretaria Executiva Nacional da CSP-Conlutas Küna Yporã Tremembé, da etnia Tremembé do Maranhão.
A liderança reforça que nos últimos quatro anos, garimpeiros e madeireiros ilegais, funcionaram a céu aberto sob a permissividade do governo, ameaçando e matando os que resistiam, mas não foram somente eles. “Ruralistas e agronegócio, garantidos pelo poder, ampliaram as terras invadindo terras indígenas”, ressaltou.
Abandono ainda que diferenciado
Küna afirma que não é possível comparar o governo Jair Bolsonaro com os anteriores. “Mas esquecer a responsabilidade política e criminal de todos é desonestidade”, disse enfatizando que desde a promulgação da Constituição de 1.988, de Sarney a Bolsonaro, todos, com suas diferenças, se omitiram ou atuaram contra os povos indígenas.
A dirigente da Secretaria Estadual do Pará Rosi Pantoja reforça a atuação dos governos diante da demarcação das terras indígenas a partir de publicações do Cimi (Conselho Indigenista Missionário) em que indica que 54,28% de terras indígenas ainda não foram identificadas ou não foi tomada nenhuma providência pela demarcação. “Entre os presidentes que demarcaram terras indígenas, Temer e Bolsonaro foram os governos sem nenhum território demarcado. Mas não foi na gestão do PT que mais se demarcou terras indígenas, pelo contrário, nos 13 anos de gestão anterior do governo petista se demarcou menos que nos oito anos de governo anterior”, chama a atenção.
Rosi defende que é urgente e necessário cuidar dos doentes, com todo empenho e recurso necessários, no entanto é necessário impedir novas tragédias. “Para impedir novas tragédias é preciso que ocorram as demarcações de todos os territórios indígenas, acabe com a mineração nos territórios indígenas, que haja multa com confisco dos bens dos criminosos, reestruture os órgãos fiscalizadores e de atendimento aos indígenas”, reforça.
As homologações de terras indígenas desde o governo Sarney refletem como é tratada a questão indígena por governantes no Brasil, em que a demarcação é essencial para a continuidade da vida e cultura desses povos.
Pelo número de demarcações José Sarney (1985 a 1990) promoveu 67; Fernando Collor (1991 a 1992) demarcou 121 TIs; Itamar Franco (1992 a 1994) aprovou 18; com Fernando Henrique Cardoso (1995 a 2002) deu um salto para 145; nas duas gestões de Luiz Inácio Lula da Silva (2003 a 2010) foram apenas 79; Dilma Rousseff (2011 a 2016) demarcou 21; Michel Temer (2016 a 2018) e Jair Bolsonaro (desde 2019 – 2022) absolutamente nenhuma (zero).
A defesa dos povos originários
Além da prioridade no atendimento de saúde dispensado pelo governo Lula, o ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino, garantiu que vai determinar abertura de inquérito policial para apurar o crime de genocídio e crimes ambientais na região.
Combater o garimpo e a exploração ilegal de madeiras, identificando suas agentes e consumidores finais é fundamental na defesa dos povos indígenas, assim como dos povos das florestas. Portanto é fundamental impedir o Marco Temporal, que propõe que sejam reconhecidos aos povos indígenas somente as terras que estavam ocupadas por eles na data de promulgação da Constituição Federal, em 1988. Ao contrário, é urgente demarcar todas as TIs no país.
Essa é a principal forma de coibir a violências contra as etnias.
“É necessário que o governo Lula se comprometa com a demarcação de todos os territórios até 2026. O simbolismo da criação do Ministério dos Povos Indígenas, e com sua importância, não faz sentido se as etnias continuarem sendo expulsas dos seus territórios sagrados por garimpeiros, desmatadores e políticos”, salienta Küna Yporã.
Jair Bolsonaro, Damares Alves, Marcelo Queiroga, Eduardo Pazuello e Marcelo Xavier devem ser investigados e punidos, não só pelo Brasil, mas pelo Tribunal Internacional Penal pelos crimes cometidos contra os povos originários do Brasil.
A CSP-Conlutas defende que essas bandeiras sejam levantadas em unidade com os quilombolas, camponeses, extrativistas, ribeirinhos e os trabalhadores das cidades, porque é também uma luta contra o capitalismo.
Via: CSP-Conlutas.