Quase dois anos após o início da pandemia, o Brasil se reencontra com uma triste realidade: hospitais lotados, equipes de profissionais de saúde exaustas e reduzidas, devido ao avanço da variante Ômicron. O cenário é ruim e especialistas já afirmam que o sistema de saúde brasileiro deverá colapsar dentro de uma semana.
A nova variante causou uma explosão de casos em todo o mundo. Somente na terça-feira (11), foram registrados mais de 3 milhões de novos contaminados. Um recorde na crise da covid-19.
Mesmo com a falta de dados sobre a evolução da doença, a situação no Brasil é gravíssima. Comparada com a última semana de 2021, o país registra hoje uma média móvel de novos casos 328% superior. Os dados são do Conass (Conselho Nacional de Secretários de Saúde) e foram copilados junto aos governos estaduais.
Desde o dia 10 de dezembro de 2021, o brasileiro convive com a falta de informações sobre a evolução da covid-19 no país. Na data, o Ministério da Saúde sofreu um ataque em seu sistema virtual, dificultando a atualização dos números por parte dos estados.
Sem acesso às atualizações, o planejamento do combate à pandemia é quase impossível. Como também não realiza de forma sistemática a testagem da população, eventos como o aumento atual de casos ficam impossíveis de se prever.
“Há também o agravante da epidemia que estamos vivenciando ou surto da influenza H3N2. Ela é capaz de mascarar alguns casos da covid-19. As pessoas estão tendo os sintomas, não fazem a testagem achando que estão com gripe, mas foram infectados pela Ômicron”, afirma Rosália Fernandez dirigente da CSP-Conlutas e Assistente Social no Hospital Walfredo Gurgel em Natal/RN
Linha de frente
Assim como ocorreu na primeira onda, os primeiros a sofrerem são aqueles que estão na linha de frente do combate à pandemia. Médicos (as), enfermeiros (as), e demais categorias da área da Saúde estão adoecendo num ritmo nunca visto.
Na cidade de São Paulo, a quinta maior da América Latina, o número de trabalhadores da saúde na rede pública que foram afastados devido a covid-19 triplicou em menos de um mês. Segundo a prefeitura, em 9 de dezembro de 2021, o município tinha 90 profissionais longe do trabalho por conta da doença. No último dia 6, já eram 269 registros.
Já na rede estadual está desfalcada em 1.754 profissionais. No Rio de Janeiro, a história se repete. Desde dezembro, foram mais de cinco mil afastamentos por covid-19 e influenza. Segundo a secretaria de Saúde do estado, isso equivale a 20% de toda mão de obra disponível.
Soluções perigosas
Para sanar a falta de profissionais, os governos estão apostando em soluções perigosas como a redução, de 10 para 7 dias, no tempo da quarentena dos infectados assintomáticos. Na segunda-feira (10), a Confederação Nacional da Saúde foi além e solicitou ao Ministério da Saúde que profissionais sem sintomas sequer fossem afastados.
Devido a alta taxa de contaminação da Ômicron, tal medida poderia agravar ainda mais a transmissão do vírus, visto que estes trabalhadores teriam de sair de suas casas mesmo contaminados.
Falta investimentos
As soluções propostas até o momento são paliativas e refletem o descaso do governo federal com a saúde da população. Para se ter uma ideia, Os recursos previstos para o Ministério da Saúde em 2022 são os menores desde 2012. Embora tenha se agravado sob o comando de Jair Bolsonaro, os investimentos na pasta estagnaram nos últimos 10 anos.
Contabilizando os recursos extraordinários para o combate a covid-19, o orçamento sobe para R$ 147,4 bilhões. O valor total é 5% menor comparado ao de 2019. Também faltam recursos direcionados aos funcionários do setor.
Segundo estudo da Fiocruz, 30% dos profissionais disseram não ter tido acesso à máscara N95 ( indicada para equipes na linha de frente). Apenas 21% afirmaram ter tido acesso a todos os equipamentos que compõem o kit completo de EPIs.
“O sistema público de saúde no Brasil pena com o subfinanciamento crônico e vive no limite ou além da sua capacidade de atendimento. Com a pandemia, ao mesmo tempo que o SUS mostrou-se como uma conquista importante, às condições de trabalho e atendimento na maior parte do país superou a sua capacidade de atendimento. Isso se deve ao descaso com a saúde pública pelo governo federal, muitos governadores e prefeitos. As condições de trabalho estão péssimas e os trabalhadores em saúde estão adoecendo física e mentalmente. Faltam profissionais, EPI’s, condições de trabalho”, afirma Antonio Gonçalves, ex presidente do Andes-SN e médico no Hospital Municipal Clementino Moura, em São Luiz (MA).
Bolsonaro age mais uma vez com descaso
Apesar do risco de uma nova sobrecarga ao sistema de saúde, nesta quarta-feira (12), Bolsonaro afirmou que a variante Ômicron é “bem vinda”.
Há a hipótese de que a nova cepa represente o declínio da pandemia, devido à menor letalidade, no entanto, este é apenas um dos cenários possíveis. Com o crescimento vertiginoso dos casos, não estão descartadas novas mutações que podem significar variantes mais letais no futuro.
Além disso, outra explicação para o declínio no número de casos graves está no estágio avançado da aplicação das vacinas. “O fato da letalidade não ser alta se deve à vacina. Principalmente nos países em que a quantidade de vacinados é grande”, explica Rosália.
Entretanto, independente desses cenários, o problema é que a sobrecarga nos serviços de saúde está acontecendo e mesmos os casos de Influenza enfrentam dificuldades para serem atendidos.
“O que o governo federal deveria ter feito ele não fez e não irá fazer. Por isso defendemos o Fora Bolsonaro. Se nós estamos nesse número absurdo de casos e mortes, isso se deve ao governo. Um governo que atrasou a vacinação e até hoje o faz em relação as crianças”, conclui Rosália
Restrições
O crescimento das contaminações também levou nove estados a adotarem medidas restritivas contra a doença. São eles: São Paulo, Amazonas, Amapá, Pernambuco, Ceará, Piauí, Maranhão, Paraíba e Bahia.
A limitação no número de pessoas em eventos, a exigência do comprovante de vacinação e do uso de máscaras em ambientes abertos e fechados, bem como a restrição do horário de atendimento em estabelecimentos comerciais estão entre as principais ações adotadas.
“Para superar a maior crise sanitária em cem anos, há de haver investimento na saúde pública, vacinação para todos os países, práticas em saúde baseadas em evidências científicas e condições de trabalho, caso contrário continuaremos reféns do negacionismos, das novas cepas do coronavírus ou outros microrganismos que afetam a espécie humano diante da destruição da natureza e do planeta como um todo”, conclui Gonçalves.
Via CSP-Conlutas.